A gestão do conhecimento (GC) é uma das temáticas que vêm sendo abordadas pela Ciência da Informação, que provê uma fundamentação teórica adequada à análise de como as tecnologias da informação e comunicação (TIC) emergentes podem ser melhor adequadas para apoio aos processos de comunicação e colaboração buscando o compartilhamento e produção de novos conhecimentos. Nas últimas décadas, independente do surgimento de novas tendências e plataformas, e mesmo da internet, a GC vem se preocupando em estabelecer fundamentos para que as organizações possam implementar modelos de gestão para apoiar, desde o registro e a gestão de informações, à dinâmicas para a gestão do capital social nas organizações.
Com o surgimento das tecnologias digitais, os principais atores envolvidos nos processos de mediação sócio-técnica da informação dedicaram-se, por exemplo, à portabilidade de conceitos e práticas para estes ambientes virtuais e digitais, sem necessariamente repensar se suas características não representariam a oportunidade de novas abordagens. Ou seja, periódicos impressos, transformaram-se em periódicos digitais e bibliotecas físicas, através de processos de digitalização, transformaram-se em bibliotecas digitais.
É possível traçar um paralelo entre as correntes de pensamento da ciência aberta com a história da gestão do conhecimento, pois cada um destes campos do conhecimento voltou-se, em algum momento de sua evolução, para a gestão do capital social, colaboração, e produção e compartilhamento de novos conhecimentos nas organizações.
A definição do que é conhecimento e a preocupação com a sua gestão e transferência, estão presentes em várias áreas como religião, filosofia, psicologia, economia e teoria de negócios. Mas como identificado por Wiig (1999) a disciplina da Gestão do Conhecimento, está relacionada com preocupações históricas, a partir do séc. XX, tais como a racionalização do trabalho (Taylor), à qualidade em gestão e o surgimento de teoria de gestão orientada para a eficiência, além de diversos campos como psicologia, ciência cognitivas, inteligência artificial, aprendizagem organizacional, e sua aplicabilidade nas organizações para a velocidade na aprendizagem e efetividade intelectual, orientadas para a competitividade organizacional. Tais preocupações levaram ao surgimento do próprio termo Gestão do Conhecimento e à incorporação de conhecimentos de diversas áreas e práticas, além do emprego de ferramentas e tecnologias, podendo desta forma, a GC ser analisada tanto sob o aspecto prático, como sistemas, ferramentas, processos, metodologias, como pelo aspecto teórico, preocupada com questões filosóficas, psicológicas, de avaliação, e definição de normas e critérios.
Davenport e Prusak (1998) defendem que o conhecimento organizacional, além do conhecimento individual, é a capacidade que a organização tem de executar de forma coletiva, tarefas que as pessoas não conseguiriam fazer atuando de forma isolada.
O conhecimento é uma mistura fluída da experiência condensada, valores, informação contextual e insight experimentado, a qual proporciona uma estrutura para a avaliação e incorporação de novas experiências e informações. Ele tem origem e é aplicado na mente dos conhecedores. Nas organizações, ele costuma estar embutido não só em documentos ou repositórios, mas também em rotinas, processos, práticas e normas organizacionais. O conhecimento pode ser definido como a informação mais valiosa – a matéria- prima essencial de qualquer organização – e por movimentar-se rapidamente sem respeitar os limites físicos, é muito difícil de gerenciar. No entanto, é uma ferramenta estratégica de sobrevivência e crescimento organizacional que permite aumentar a competitividade e garantir a sobrevivência da organização. (DAVENPORT; PRUSAK,1998, p.6).
Um exemplo de como a Gestão do Conhecimento se adapta a mudanças culturais e tecnológicas é como ela foi influenciada a partir da adoção do termo Web 2.0 por Tim O Reilly (2003), popularizado a partir de 2004, que designa uma segunda geração de comunidades e serviços, tendo como conceito a “Web como plataforma”, envolvendo wikis, blogs, aplicativos baseados em folksonomia e redes sociais.
Gurteen (2012) fez um estudo analisando o impacto da adoção de plataformas características da Web 2.0, na Gestão do Conhecimento com a adoção do termo Empresa 2.0, intitulando o fenômeno de Gestão do Conhecimento Social. Um dos problemas centrais identificando em sua análise é em relação à utilização de plataformas de Mídias Sociais por colaboradores na organização, mas sem necessariamente representar um impacto positivo nos negócios. Ou seja, há uma adoção passiva das ferramentas, sem um adequado alinhamento com os processos organizacionais.
Este problema também foi identificado por outros autores, como Yarmis (2008), da AMC Research, em um relatório publicado pelo Gartner (2008), que intitulou o problema de “The Kumbaya Zone”, caracterizado pelo uso das plataformas sociais pelas pessoas na organização, sem relacionar a sua utilização com os objetivos do negócio, como representado na Figura 7:
Figura 7: The Kumbaya Zone
Fonte: Yarmis (2008, não paginado), traduzido pelo autor.
Em um artigo sobre o futuro da Gestão do Conhecimento Tuomi (2002) já estava prevendo uma orientação à questão da colaboração. Para o autor a Gestão do Conhecimento passou por três estágios, o primeiro voltado para a gestão da informação orientada à tecnologia da informação, o segundo orientado para a transferência de conhecimento tácito e um terceiro voltado para a criação de sentido e ação prática nos negócios a partir da utilização de sistemas sociais. Deve ser ressaltada a importância desta previsão em um período em que o termo web 2.0 nem havia surgido e quando as mídias e redes sociais ainda engatinhavam.
Mas os próprios termos web 2.0 e enterprise 2.0 também foram deixando de ser adotados, evidenciando que a própria dinâmica das redes sociais gerou uma cultura relacionada à gestão, em que conceitos são criados para representar tendências e comportamentos, passando por denominações comerciais. Conforme apresentado nas Figuras 8 e 9:
Figura 8: Pesquisa com o termo web 2.0
Fonte: Google Trends em 14 de janeiro de 2015
Figura 9: Pesquisa com o termo enterprise 2.0
Fonte: Google Trends em 14 de janeiro de 2015
As problemáticas emergentes da gestão do conhecimento transcendem a questão da web e do uso de computadores, e passam pela adoção em massa de dispositivos móveis, como smartphones e tablets, pelos colaboradores das organizações, o que tem sido chamado de consumerização da tecnologia da informação, como visto na seção 2.3, reforçando cada vez mais o fato de que não é apenas uma questão de adoção de padrões tecnológicas que se transformam em um período de tempo relativamente muito curto, em comparação ao que ocorria em gestão das décadas de 1970, 1980 e 1990 em relação ao uso de tecnologias da informação. O que realmente permanece é a preocupação com a cultura organizacional e a necessidade latente de se repensar os modelos de governança e gestão de pessoas para possibilitar que as ferramentas que estão sendo adotadas muitas vezes por iniciativas pessoais, independente do que é oferecido como soluções tecnológicas pelas organizações, possam ser melhor aproveitadas pelo negócio.
Nonaka e Takeuchi, 1997, p. 79, afirmam que a criação do conhecimento organizacional é “uma interação contínua e dinâmica entre o conhecimento tácito e o conhecimento explícito”
Na visão atual da gestão do conhecimento, vem sendo adotada a corrente sócio-construtivista, entendendo-se que a produção de conhecimento ocorre por meio das interações sociais, visando à aprendizagem organizacional.
Conforme Dalkir (2013, p. 21) o construtivismo social propõe que o significado, é criado por meio da interação dos indivíduos. Tal visão tem base na teoria de autores como o psicólogo Vygotsky, para quem a interação social tem importante papel no desenvolvimento do conhecimento e do aprendizado. Dalkir observa ainda que, “A aprendizagem por meio da prática também é o cerne do compartilhamento e da gestão do conhecimento”.
E Cianconi (2013, p. 118), citando Lave e Wenger (1991) apud Dalkir (2011, p. 147), comenta que “a perspectiva social do conhecimento vê o conhecimento dependente do contexto, não podendo ser totalmente separado dos `conhecedores`”.
O Quadro 4, a seguir, busca sintetizar, de forma simplificada, a evolução e as fases da gestão do conhecimento a partir de pontos em comum encontrados na literatura e análise de artigos de especialistas que buscaram compreender os impactos desta web emergente nas práticas da gestão do conhecimento:
Quadro 4: Evolução da Gestão do Conhecimento
Conhecimento |
Antecedentes (gestão da informação) |
Primeira fase |
Segunda fase |
Fase atual |
Onde encontra |
Artefatos |
Artefatos |
Indivíduos |
Redes Sociais |
De que tipo |
Explícito (documentos) |
Explícito (inteligência artificial) |
Tácito (pessoas) |
Tácito e Explícito |
Implicações |
Criar infraestrutura para capturar, coletar, tratar e reutilizar informação |
Inferência e uso de informações para apoiar a tomada de decisão |
Foco no compartilhamento e transferência de conhecimentos entre as pessoas |
Foco na colaboração orientada para a inovação e ação e solução de problemas com base em melhor entendimento da base cultural e novas realidades e práticas sociais |
Fonte: O autor, baseado em: Anklam (2010); Bettencourt; Cianconi (2013); Tuomi (2002);
Não apenas as práticas em gestão do conhecimento estão orientadas para o compartilhamento e a colaboração, mas as condições sociais, econômicas e tecnológicas, relacionadas ao capital social e à incorporação de novas tecnologias, estão favorecendo um discurso que vem sendo introduzido em outras esferas de conhecimento e pesquisa, como no caso da ciência aberta.
Colaborar vem do latim collaborare que significa, segundo o dicionário Michaellis “1 Trabalhar em comum com outrem na mesma obra. 2 Concorrer, cooperar para a realização de qualquer coisa.”
O Business Dictionary (s.d.) define colaboração de duas formas, “1. Geral: Acordo de cooperação em que duas ou mais partes (que podem ou não ter qualquer relacionamento anterior) trabalham em conjunto para cumprir um objetivo em comum. 2. Gestão do Conhecimento (GC): Colaboração é um método efetivo de transferência de know how entre indivíduos, através da criação e sustentação de vantagem competitiva.
Pode-se perceber que os termos cooperação e colaboração aparecem como sinônimos. No entanto segundo diversos autores, existe uma distinção clara entre cooperação e colaboração. De acordo com Dillenbourg (1999, p. 8): “Na cooperação, os parceiros repartem o trabalho, resolvem as subtarefas individualmente e então juntam os resultados parciais em um resultado final. Em colaboração, os parceiros fazem o trabalho ‘juntos’”.
Compartilhamento e colaboração são conceitos que se relacionam da seguinte forma: o compartilhamento está ligado à vontade ou desejo de doar, dividir, ajudar, auxiliar; já a colaboração pode ser entendida como um ato conjunto, visando atingir objetivos comuns (ALVES; BARBOSA, 2010).
Schrange (2005) define colaboração como “um processo de criação de valor que as nossas estruturas tradicionais de comunicação e trabalho em equipe não consegue alcançar”, associando a colaboração com a necessidade de um processo e um propósito para que esta crie valor.
Rosen (2009) no livro The Culture of Collaboration, a define como “O trabalho em conjunto para criação de valor enquanto compartilha-se um ambiente virtual ou físico.”. Ou seja, as pessoas não precisam necessariamente estar alocadas em um mesmo ambiente para colaborar, basta utilizar tecnologias que permitam a colaboração remota.
Solla Price e Beaver, utilizam o termo colaboração, em 1966, no artigo intitulado “Collaboration in an Invisible College” onde traz alguns dados para comprovar a hipótese de de que a colaboração faz parte da história do desenvolvimento das pesquisas no meio científico e acadêmico, sua ação é social e os resultados dos avanços alcançados são reaplicados na sociedade:
As pessoas em um grupo mantêm contato constante com todos que estão materialmente contribuindo com o seu objeto de pesquisa, não apenas em escala nacional, mas também incluindo todos os outros países em que a sua especialização e forte. Este grupo de pessoas encontram-se em eventos especializados (geralmente ocorrendo em lugares agradáveis) para compartilhar informação entre um centro de pesquisa e outro, circulando preprints e reprintes entre si, então colaborando com a pesquisa.[2] (SOLLA PRICE; BEAVER, 1966, p. 1011)
Pesquisas que buscam compreender as motivações e amplitude desse relacionamento colaborativo no meio científico envolvem diferentes áreas do conhecimento (ciência da informação, sociologia, sociologia da ciência, filosofia, psicologia, ciência da computação e informática) e despertam interesse mundial. (STUMP e VANZ, 2010).