
A preocupação central da dimensão democrática é a garantia de acesso ao conhecimento, seguindo o princípio de que esta é possível efetivamente, se todos tiverem os mesmos direitos de acesso aos produtos da ciência. Sejam dados, artigos científicos, e demais publicações como materiais gráficos e recursos multimídia.
Este item será desenvolvido em duas linhas de democratização de acesso: uma relativa aos dados utilizados a priori para o processo de pesquisa científica, outro relativo ao acesso aberto às publicações acadêmicas. Seguido por exemplos de iniciativas em relação a padrões tecnológicos e de políticas, envolvendo modelos para acesso a artigos acadêmicos, como é o caso de periódicos com acesso aberto e repositórios.
2.3.2.1 O acesso aberto a publicações científicas
O acesso aberto representa a disponibilização de publicações acadêmicas digitais, online, livre de custos, e livre da maioria das restrições de copyright e licenciamento. E para compreender melhor as iniciativas para o acesso aberto é importante resgatar a origem do termo.
Suber (2012) em seu livro Open Access, identifica três influências principais para o início da utilização do termo, a “The Budapest Open Access Initiative (Budapeste, 2002), “the Bethesda Statement on Open Access Publishing (Bathesda, 2003), e a “The Berlin Declaration on Open Access to Knowledge in the Sciences and Humanities” (Berlin, 2003).
Durante a iniciativa de Budapeste (2002), definiu-se acesso aberto (open access) como:
Acesso aberto à literatura científica revisada por pares significa a disponibilidade livre na Internet, permitindo a qualquer usuário ler, fazer download, copiar, distribuir, imprimir, pesquisar ou referenciar o texto integral desses artigos, recolhe-los para indexação, introduzi-los como dados em software, ou usá-los para outro qualquer fim legal, sem barreiras financeiras, legais ou técnicas que não sejam inseparáveis ao próprio acesso a uma conexão à Internet. As únicas restrições de reprodução ou distribuição e o único papel para o direito autoral neste domínio é dar aos autores o controle sobre a integridade do seu trabalho e o direito de ser devidamente reconhecido e citado. (BUDAPESTE, 2002, [sem paginação])
Importante ressaltar que o acesso aberto é um conceito relacionado à disponibilidade de conteúdo, mas não relacionado ao uso de software ou padrão específico para cumprir tal função. Ou seja, é possível, a garantia de acesso aberto, sem necessariamente a utilização de um software em código aberto. No entanto, na última década desde a criação do termo, uma série de iniciativas surgiram e serão apresentadas a seguir.
O tradicional acesso às publicações científicas é caracterizado pelo modelo de revisão por pares, em que os editores de periódicos realizam a mediação sócio-técnica para publicação, e no qual os pesquisadores não são cobrados para publicar os artigos, mas é cobrado o acesso ao que for publicado, conforme ilustra a Figura 2.
Figura 2: Processo após submissão do pesquisador em publicações fechadas
Fonte: openingscience.org, traduzido e adaptado pelo autor.
O relatório da UNESCO “Policy Guidelines for the Development and Promotion of Open Access” identifica duas vias para o acesso aberto (SWAN, 2012):
a) A via verde, é uma via secundária de publicação, com a disponibilização em acesso aberto, de artigos publicados em periódicos fechados. Estes artigos passam pelo processo de revisão por pares. Em seguida são republicados em acesso aberto, de acordo com as permissões dos contratos específicos firmados com as editoras. A Figura 3 ilustra este processo.
Figura 3: A linha verde de acesso aberto
Fonte: openingscience.org, traduzido e adaptado pelo autor.
O relatório ainda destaca que a via verde de acesso aberto utiliza repositórios de dois tipos:
1) Centralizados por assunto, para o depósito de publicações de pesquisadores de instituições distintas sobre um determinado tema, como por exemplo o “Pub Med Central (PMC)”, com publicações na área de saúde, mantido pelo “National Institutes of Health (NIH)” dos EUA.
2) Repositórios institucionais, para que toda a publicação dos diversos departamentos de pesquisa seja preservada. Geralmente um recurso mantido por bibliotecas centrais universitárias.
b) A via dourada, é uma via primária de publicação, com a publicação em periódicos em acesso aberto, conforme ilustra a Figura 4:
Figura 4: A linha dourada de acesso aberto
Fonte: openingscience.org, traduzido e adaptado pelo autor.
Além das vias apresentadas, o relatório evidencia outras formas de garantir o acesso aberto:
É possível elaborar artigos e dados abertos e publicá-los em sites de acesso público, como site do grupo de pesquisa, sites departamentais ou sites pessoais dos autores. Além destes exemplos, há um interesse crescente em websites pela comunidade, e os pesquisadores estão utilizando cada vez mais para compartilhar artigos e outras informações. (UNESCO, 2012. p. 24)
Esta análise sobre o acesso aberto também tem seus críticos. Como no caso de Goldstein (2014, p. 01) que ressalta que o surgimento de uma série de softwares para publicação online de artigos e periódicos acadêmicos irá tornar o debate da via verde e dourada irrelevante. Em que a atual discussão endossa as editores, e não a autonomia dos acadêmicos na busca de soluções para publicação.
O que se relaciona com a consumerização das TICs e o uso do software aberto, que permite que pesquisadores publiquem por contra própria em sites pessoais e de grupos de pesquisa por exemplo. Além de possibilitar a criação de periódicos acadêmicos com maior facilidade do que quando teve início o movimento para acesso aberto em 2002.
2.3.2.2 Dados abertos
Dados abertos são aqueles de baixa granularidade, publicados na forma coletada na fonte, sem agregação ou transformação Diz-se que os dados são abertos quando qualquer pessoa pode livremente usá-los, reutilizá-los e redistribuí-los. Devem ser disponibilizados para todos que queriam utilizá-los e republicá-los da forma que desejarem, sem restrições de direitos de copyright, patentes ou qualquer outro mecanismo de controle.
Exemplos de dados abertos na academia são materiais não textuais, como genomas, compostos químicos, fórmulas científicas e matemáticas, dados de práticas médicas, de biociências e da biodiversidade.
Tal como os artigos acadêmicos, o acesso e a reunião dos dados são controlados por organizações, tanto públicas, como privadas. Estas organizações estabelecem controle sobre o uso de dados, através de restrições de acesso, licenças, direitos autorais, patentes e até tarifas de acesso.
Vision (2010) defende que a abertura dos dados representa um benefício para os outros pesquisadores devido às vantagens que o reuso dos dados oferece para a pesquisa:
Os dados são um exemplo clássico de um bem público, em que os dados compartilhados não diminuem em valor. Ao contrário, os dados compartilhados podem servir como um ponto de referência que permite que os outros a estudar e aperfeiçoar métodos de análise, e uma vez recolhida, eles podem ser criativamente reaproveitado por muitas mãos e de muitas maneiras, por tempo indeterminado. (VISION, 2010, p. 330)
Uma série de benefícios da abertura de dados foram explorados mais a fundo por Fry et al. (2008) em um relatório sobre o tema:
1. Aumentar a eficiência da pesquisa, por exemplo, evitando a duplicação de esforços, tornando as ferramentas de pesquisa, protocolos e exemplos de boas práticas mais facilmente disponíveis, reduzindo os custos de coleta de dados, e promovendo a adoção de padrões abertos. 2. Promover rigor acadêmico e melhorias para a qualidade da pesquisa, por exemplo, tornar a informação sobre métodos de trabalho, protocolos e dados mais prontamente disponíveis para revisão e análise, e aumentar o alcance e a qualidade do material publicado no registro acadêmico, incluindo resultados negativos. 3. Melhorando a visibilidade e alcance para o acoplamento, com oportunidades para compromissos mais amplos, toda a comunidade de pesquisa e outros, mais amplos, comunidades, incluindo novas possibilidades para a “ciência cidadã” e para o envolvimento público com os processos e resultados de pesquisa. 4. Permitindo aos pesquisadores novas perguntas de pesquisa, e para tratar de questões de novas maneiras através da reutilização de dados e outros materiais criados por outros pesquisadores, apoiando o desenvolvimento de “uso intensivo de dados ciência” através da capacidade de agregar e reanalisar dados a partir de uma grande variedade de fontes. 5. Melhorar a colaboração e construção de comunidades, por exemplo, fornecendo novas oportunidades para a colaboração através das fronteiras institucionais, nacionais e disciplinares, e para a partilha de conhecimentos e competências. 6. Aumentar o impacto económico e social da investigação, da inovação nos negócios e serviços públicos, e o retorno sobre o investimento público em investigação, ao permitir que indivíduos e organizações fora da comunidade científica para se envolver com uma ampla gama de recursos de pesquisa e materiais. (FRY et al., 2008, p. 10).
Da mesma forma que o acesso aberto, os dados abertos enfrentam problemas similares relacionados à definição de políticas institucionais e barreiras aos direitos de acesso.