O ponto central da dimensão pública na ciência aberta é que a pesquisa científica deve ser acessível ao grande público. Esta dimensão pode ser analisada sob dois aspectos: um relacionado ao processo de pesquisa, com a participação do público neste processo; outro relacionado aos produtos da pesquisa, e o papel dos pesquisadores em facilitar compreensão destes produtos pelo público.
2.3.1.1 Acesso de não especialistas ao processo da pesquisa
Este aspecto, chamado de citizen science, leva em conta o acesso de amadores e não especialistas ao processo de pesquisa. Seja indiretamente, com a computação distribuída, em que cidadãos utilizam softwares em seus computadores, compartilhando processamento, para colaborar em processos de análise de dados e informações; ou diretamente, com a utilização de softwares e plataformas na web que permitem a colaboração, para apoio na solução de problemas levantados por especialistas.
Hand em artigo publicado pela Nature, intitulado “Citizen science: People power”, fez um levantamento de exemplos de projetos que utilizam a computação distribuída, três deles citados a seguir como exemplo:
a) O Rosetta@home, em que voluntários baixam um software que faz uso do processamento ocioso de suas máquinas para dedicar-se a um problema de pesquisa. No caso, o dobramento de proteínas, que é a determinação de como uma cadeia linear de aminoácidos se enrola em uma forma tridimensional que minimiza as tensões internas e deformações – presumivelmente de forma natural da proteína. Se os usuários quiserem, podem assistir a um protetor de tela, com a imagem de como o computador metodicamente puxou e torceu a proteína, em busca de uma configuração mais favorável.
b) O Foldit, é um jogo em que os participantes, competem, colaboram, desenvolvem estratégias e acumulam pontos – tudo isso enquanto dobram proteínas. Com a colaboração, os jogadores top conseguem resultados melhores do que um computador.
c) No Galaxy Zoo, a ideia é que voluntários possam determinar se galáxias são espirais ou elípticas – uma tarefa para a qual os computadores são quase inúteis. Foram publicados 17 trabalhos após classificar 1.250.000 galáxias diferentes, e teve início mais uma etapa de classificação com dados do Telescópio Espacial Hubble (HAND, 2010, [sem paginação]).
Powell e Colin (2009) investigaram a efetividade de um modelo, com um projeto de pesquisa que permitiu a contribuição de cidadãos, não especialistas, com o laboratório de nanotecnologia e engenharia “Nanoscale Science & Engineering Center (NSEC)”. Buscaram questionar se seria possível que instituições implementassem uma forma de engajamento significativo entre cidadãos de cima para baixo – em contraposição às ações de engajamento de baixo para cima, que ocorre em plataformas de redes sociais.
Catlin-Grooves (2012) ressaltou que tem aumentado a participação em projetos de ciência cidadã em paralelo com o surgimento de novas tecnologias. Primariamente a submissão de documentos representou um primeiro nível de participação, evoluindo para o uso de plataformas de redes sociais, dispositivos móveis, como celulares e tablets. Além de recursos específicos como GPS e o padrão HTML5, que permite o desenvolvimento de soluções acessíveis por diversas plataformas. A Figura 1 ilustra o volume de textos científicos produzidos como resultado da ciência cidadã de 1995 a fevereiro de 2012:
Figura 1: Publicações como resultado da ciência cidadã entre 1995 e Fevereiro de 2012
Fonte: CATLIN-GROOVES (2012, p. 09)
O acesso por não especialistas para apoiar a solução de problemas de pesquisa tem crescido exponencialmente, conforme o custo de acesso às tecnologias tem baixado. Desde os astrônomos amadores – que precisavam investir em seus próprios telescópios, até usuários atuais de dispositivos móveis como celulares e tablets, que possuem recursos que até a década passada eram pouco acessíveis aos cidadãos comuns.
2.3.1.2 A compreensão dos resultados das pesquisas
Apesar da possibilidade de aproximar o cidadão do fazer ciência, um dos grandes problemas é que, mesmo com o aumento da produção do conhecimento científico e a ampliação de acesso, grande parte da população desconhece e tem pouca compreensão de questões e problemas científicos básicos.
Cribb e Sari (2010) no livro “Open Science – Sharing Knowledge in the digital age”, relatam que a produção científica explodiu e aumenta exponencialmente desde o último século. No entanto, a compreensão do público da ciência não aumentou proporcionalmente a este volume. A sociedade enfrenta uma série de problemas, como os relacionados a questões de saúde, ambientais, e à pobreza em países em desenvolvimento. E a efetiva compreensão da ciência, não apenas a sua produção, deveria ser uma preocupação central dos pesquisadores: “A ciência por natureza é complicada, e o mais importante para a boa escrita científica, deveria ser torná-la simples, limpa e clara.” (CRIBB; SARI, 2010, p 15).
Como resultado de uma conferência realizada pela UNESCO, em Paris, no ano de 1999, intitulada “Science for the Twenty-first Century – A New Commitment” foi estabelecido um compromisso para que a ciência possa estar mais conectada com a cultura geral:
Há necessidade de melhorar, fortalecer e diversificar a educação científica, formal e não-formal, em todos os níveis e para todos os setores, e de integrar a ciência na cultura geral, enfatizando a sua contribuição para a formação do pensamento livre e crítico, bem como para a melhoria da capacidade das pessoas para enfrentar os desafios da sociedade moderna. Qualquer barreira discriminatória a operar contra a participação equitativa na ciência deve ser removida, e são necessários esforços positivos para integrar plenamente as mulheres nas ciências. (UNESCO, 1999, p. 17)
As duas linhas da corrente pública estão vinculadas estreitamente com a definição de políticas institucionais para apoiar os pesquisadores no desenvolvimento de ações que permitam tanto a participação dos cidadãos nos processos de pesquisa, quanto no tempo de dedicação para produção de conteúdo específico para divulgação (vulgarização) da ciência para o grande público.