
Na história da computação pessoal nas últimas décadas, era característico as organizações proverem para os seus funcionários os computadores e equipamentos necessários para o desenvolvimento das suas atividades. A incorporação das novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) e o uso da web para compartilhamento de informações, sempre estiveram, de alguma forma, subordinados às políticas institucionais de segurança da informação e de acesso para o uso efetivo dos equipamentos disponibilizados.
A consumerização da tecnologia da informação é um termo utilizado para identificar como a evolução da computação pessoal foi direcionada para venda de dispositivos pessoais, como smartphones e tablets, e como estes dispositivos têm sido adotados para atividades profissionais, devido principalmente às facilidades nas ações de comunicação, compartilhamento e colaboração digitais.
Um dos primeiros artigos publicados sobre este tema foi o “Consumerization of Information Technology“, por Moschella et al. (2004). Desde então, o termo tem sido utilizado amplamente por toda a indústria da tecnologia da informação e sido tema de inúmeras conferências e artigos. Dada à sua relevância, a revista “The Economist”, publicou um encarte especial sobre o tema, em outubro de 2011, sobre o que chama a revolução das massas e a mudança da computação pessoal para a computação personalizada.
Esta forma analisar as TICs pode ser comparada com o conceito de Inovação pelo Uso adotado por Cardon (2005), que identificou que estas novas tecnologias da informação e de comunicação (TIC) apresentam características que diferenciam estes novos usuários das figuras tradicionais do leitor, do ouvinte e do telespectador associadas às tradicionais mídias de massa, como os jornais, o rádio e a televisão:
A inovação pode ter sua origem tanto nas práticas dos usuários quanto nos laboratórios dos centros de pesquisa públicos ou industriais. Realmente, algumas das rupturas mais significativas nos comportamentos de comunicação (software livre, as ferramentas cooperativas de publicação, o wifi, o P2P, os blogs, etc) não tiveram início “do alto”, a partir de um plano de desenvolvimento industrial que acompanhasse a implantação de uma nova tecnologia originada nos laboratórios de pesquisa, mas tomaram sua forma “de baixo”, ao final de um processo cooperativo que reuniu redes de usuários de forma voluntária. Vamos definir as inovações pelo uso (também chamadas de “inovações ascendentes” [bottom-up innovations] ou “inovações horizontais”) como inovações tecnológicas ou de serviços que nascem das práticas dos usuários e que são divulgadas por meio das redes de intercâmbio entre usuários. Essas inovações pelo uso, que se desenvolvem independentemente dos ciclos “verticais” da inovação, transformaram-se em uma característica essencial, embora não exclusiva, do desenvolvimento da sociedade da informação. (CARDON, 2005, p. 01)
Gandel et al. (2004) traçaram um panorama histórico do uso da tecnologia para troca de informações acadêmicas e afirmou que o cenário atual, orientado para a questão da identidade dos pesquisadores e o uso de tecnologias da informação e comunicação (TIC) pessoais tem relação direta com a visão de Vannevar Bush:
A idéia de se criar um sistema compartilhado de sistemas informacionais individuais interconectados capaz de formar uma rede de compartilhamento de conhecimento e ciência, é a culminação da visão criada mais de meio século atrás por Vannevar Bush. Da estação de trabalho do acadêmico ao hypertexto e a world wide web, a visão de Bush tem sido um guia metafórico para desenvolvimentos tecnológicos na educação. Repositórios pessoais digitais, interligados e facilmente compartilhados, poderia ser o passo final na realização da visão de Bush. Para Bush, a resposta para a explosão informacional era o memex, a “mecanizada biblioteca e arquivo particular” de um acadêmico – em outras palavras, um repositório pessoal digital. De acordo com Bush, o memex de um acadêmico poderia em troca ser ligado a uma rede de acadêmicos de forma que um pudesse passar informações para que “um amigo insira no seu próprio memex, de lá a ser ligado na trilha mais geral”. Hoje essa trilha aponta para o eficiente gerenciamento de informação, começando com o indivíduo e terminando com o coletivo de conhecimento e ciência. (GANDEL, 2004, p. 5)
Também tem relação com o cenário atual no que diz respeito à ênfase do digital orientado para o compartilhamento e soluções que possibilitem a interligação entre pessoas e o fortalecimento das conexões, como levantado por Oblinger (2013), em uma carta para os leitores do periódico especializado EDUCASE Review:
A mudança iniciada com a rede. Movendo informação digital instantaneamente de um lugar para outro remodelou sistemas de distribuição, modelos de negócios e a economia e levou à globalização de quase todos os setores. No entanto, este “efeito de rede” é mais do que a divulgação de informações. Trata-se de conexões. Não estamos mais na era da informação, estamos na era da conexão. Todos e tudo está interligado. Quem pode acessar a Web pode participar. As conexões ampliam o alcance e o valor não apenas informações, mas também das nossas relações, criando oportunidades para aprender, trabalhar e colaborar em uma escala sem precedentes. (…) O ensino superior tem sido sempre mais do que a informação, não importa o quão rápido a informação possa ser disseminada ou quanto dessa informação pode ser armazenada. Nossas instituições têm sido sempre as comunidades impulsionado por conexões de conexões entre corpo docente, alunos, pesquisa, educação, disciplina, as comunidades e as próprias instituições. Na era conectada, não importa onde a informação está, onde o aluno está, ou de onde o docente é. O que importa é o valor que vem da conexão. (OBLINGER, 2013, p. 1)
O principal sentido em preocupar-se com novos padrões que as TICs tem em relação ao fazer ciência é que a consumerização pode representar uma ruptura no modelo vigente até então, e tem implicações na própria governança e distribuição de recursos para os pesquisadores.
O planejamento de qualquer serviço de informação digital, principalmente relacionado ao acesso e compartilhamento de informações acadêmicas precisa levar em consideração, não apenas o provimento de informações na internet, mas também a forma que estas informações são providas para permitir que elas sejam acessíveis e compartilhadas por uma série de novas tecnologias orientadas para o consumo e ao usuário final, como os dispositivos móveis, como celulares, tablets e até os smartwatches.
No entanto, além da preocupação com a forma em que a informação acadêmica é disseminada, a consumerização é pano de fundo para uma série de implicações para as ações dos pesquisadores acadêmicos através da web para relacionar-se tanto com outros pesquisadores, quanto com a sociedade conforme apresentados nos capítulos a seguir.