Os pesquisadores acadêmicos promovem um fluxo de informação orientado para a pesquisa e produção de novos conhecimentos, nas quais trocam informação com outros pesquisadores, além de se comprometerem com a transferência dos seus conhecimentos através do ensino, participação em eventos e publicação dos resultados de suas pesquisas em canais formais como os periódicos com revisão por pares.
O movimento para o acesso aberto é um exemplo de como, na última década, tem se incentivado a incorporação de tecnologias digitais emergentes para o avanço da ciência. Seu objetivo é permitir o acesso livre a artigos acadêmicos, motivado especialmente pelo crescente custo de assinaturas cobrado pelos editores de periódicos tradicionais. Os periódicos acadêmicos cumprem função primordial para a comunicação científica, mas seus críticos têm apontado que o aumento do valor a ser pago para o acesso aos artigos científicos na web é injustificável.
Lin (2012) em uma matéria sobre a questão do acesso aberto citando a pesquisa de Nielsen (2013) e o início do movimento da ciência aberta afirmou que:
Durante séculos, a ciência tem funcionado assim – por meio de pesquisas conduzidas no âmbito privado, submetidas em seguida a periódicos científicos e médicos para serem revistas por pareceristas e publicadas visando o benefício de outros pesquisadores e do público em geral. Contudo, para muitos cientistas, a longevidade desse processo não merece comemorações. Para eles, esse sistema é inflexível, caro e elitista. Os pareceres às vezes levam meses para sair, o alto custo das assinaturas dos periódicos pode ser proibitivo e alguns poucos “guardiões” limitam o fluxo de informações. Para o físico quântico Michael Nielsen, o sistema é ideal para partilhar o conhecimento – mas apenas “se você estiver preso à tecnologia do século XVII”. Nielsen e outros defensores da “ciência aberta” afirmam que a ciência pode realizar muito mais, muito mais rápido, em um ambiente de colaboração livre por meio da Internet. E, apesar de uma série de obstáculos, incluindo o ceticismo de muitos cientistas consagrados, as suas ideias têm ganhado força. (LIN, 2012, p. 1).
No entanto, o estágio atual de amadurecimento das tecnologias digitais tem evidenciado desafios e levantado questionamentos sobre as dinâmicas e processos tradicionais de compartilhamento dos conhecimentos científicos com oportunidades para publicação que vão além dos tradicionais artigos científicos e periódicos em revisão pares. Conforme relatório da The Royal Society:”Science as an open enterprise”, em 2012:
A histórica centralidade da página impressa na comunicação tem diminuído com a chegada das tecnologias digitais. A coleta de dados em grande escala e análise cria desafios para a tradicional autonomia de pesquisadores individuais. A internet oferece um canal para redes de cientistas profissionais e amadores para colaborar e comunicar em modos novos e pode abrir caminho para uma segunda revolução científica aberta, tão grande como a desencadeada pela criação das primeiras revistas científicas. Ao mesmo tempo, muitos de nós queremos nos satisfazer quanto à credibilidade das conclusões científicas que podem afetar nossas vidas, muitas vezes, controlando a evidência subjacente, e os governos democráticos estão cada vez mais responsabilizados através da divulgação pública dos seus dados. Duas esperanças amplamente expressas são de que isso vai aumentar a confiança do público e estimular a atividade empresarial. A ciência precisa se adaptar a este ambiente de mudança tecnológica, social e política. (CAMPBELL et al., 2012, p.7)
Oliva (2012), em declaração publicada na Folha de São Paulo, ressaltou que passou a ser papel dos cientistas dar publicidade às atividades de pesquisa, mostrar experimentos e explicar projetos para o público, além de ligar o trabalho a inovações que contribuam com as políticas públicas e até mesmo para a criação de novos produtos a serem lançados no mercado. Por exemplo, promovendo a alteração dos critérios de avaliação dos pesquisadores acadêmicos, para levar em consideração o uso de plataformas digitais para o compartilhamento de informações acadêmicas e apoio à produção de novos conhecimentos.
Uma das características principais do atual cenário digital é a definição de políticas centradas nas pessoas e no uso das tecnologias digitais. Na primeira década em que a internet tornou-se pública aos cidadãos, as empresas e instituições preocupavam-se em construir plataformas centralizadas, no modelo de cima para baixo para disseminação da informação. No entanto, a emergência da web social privilegia a formação de redes e comunidades entre as pessoas para troca de informações. A dinâmica da web social pode ser compreendida quando se analisa a utilização de plataformas da web aberta e privadas. Serviços como Facebook, Twitter e Academia.edu, permitem a comunicação e a colaboração, mas são ferramentas privadas, em que a informação é disponibilizada de acordo com os seus termos de uso. A chamada web aberta, é caracterizada pelo uso de plataformas em código aberto, mantidas pelos próprios pesquisadores ou instituições de pesquisa e a publicação de conteúdos em padrões abertos, que permitam o compartilhamento e acesso de acordo com seus interesses.
Neste cenário, além do acesso aberto, um conceito que tem ganhado força, e que teve suas primeiras publicações científicas nos últimos anos, é o de ciência aberta. O termo ciência aberta exige uma cuidadosa análise. É um termo abrangente, que agrega uma série de iniciativas distintas incentivadas pelo uso de software aberto (open source), dados abertos (open data), acesso aberto (open access) e pesquisa científica aberta (open notebook science), que no decorrer desta pesquisa serão identificados como componentes da web aberta.
Uma série de ações tem sido desencadeadas, com ênfase principalmente em permitir que pesquisadores acadêmicos utilizem a web aberta não apenas para a divulgação em acesso aberto de seus artigos de pesquisa. A preocupação e com que eles possam compartilhar e colaborar, tanto com outros pesquisadores, e também com organizações privadas e cidadãos, em cada uma das fases do ciclo de vida da pesquisa utilizando a web aberta.
O campo da Ciência da Informação, através da sua história, vem atuando na pesquisa para definição de padrões para garantia da qualidade dos fluxos de informação. Borko (1968) escreveu sobre a preocupação histórica da Ciência da Informação em investigar as propriedades e definir padrões para a criação de novos serviços e produtos de informação:
Ciência da Informação é a disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação, as forças que regem seu fluxo e os métodos para processá-la, a fim de obter acessibilidade e utilização ótimas. Está interessada num conjunto de conhecimentos relacionados com a origem, coleção, organização, armazenamento, recuperação, interpretação, transmissão transformação e utilização da informação. Inclui a investigação das representações da informação nos sistemas naturais e artificiais, a utilização de códigos para transmissão eficiente da mensagem, o estudo de instrumentos e técnicas de processamento da informação, tais como computadores e seus sistemas de programação. … uma ciência interdisciplinar […] relacionada com a matemática, a lógica, a linguística, a psicologia, a tecnologia de computação, a pesquisa operacional, as artes gráficas, a comunicação, a biblioteconomia, a administração … Tem componentes de uma ciência pura, que investiga o assunto sem relação com sua aplicação, e componentes de uma ciência aplicada, que cria serviços e produtos. (BORKO, 1968, p. 3)
A Ciência da Informação busca o entendimento de como, desde as tecnologias, até as relações multidisciplinares interferem no processo de publicação acadêmica e transferência de conhecimentos entre os pesquisadores e a sociedade.
Se olharmos retrospectivamente a ciência da informação, ainda quando não reconhecia nenhuma referência à epistemologia, partilhava algumas de suas premissas: a primeira delas, a pressuposição de uma base racional comum nos discursos sociais de e sobre a ciência, entendida como conhecimento público. Uma segunda premissa, derivada daquela, seria a transparência e inteligibilidade da ciência, já que tinha na visibilidade e comunicabilidade um princípio essencial de sua existência. Pode dizer-se, aliás, que a ciência da informação tem sido uma das guardiãs da comensurabilidade dos discursos científicos, caracterizando a ciência como a prática social de maior potência de circulação informacional, da maior eficácia de codificação e explicitação de seus próprios processos produtivos e de maior rigor e eficácia institucional na regulamentação dos mecanismos e práticas de estabilização de discursos e saberes. Bibliometria, cientometria, infometria são expressões dessa confiança e orientação. [GONZÁLES DE GÓMEZ, 2001, p.14]
Pesquisas e publicações recentes em Ciência da Informação têm sido realizadas sobre tendências tecnológicas emergentes como a questão do acesso aberto através de repositórios e periódicos como instrumentos para publicação e divulgação acadêmica. No entanto, há necessidade de realizar uma aproximação maior do campo com outros mecanismos de compartilhamento de informação acadêmica, por exemplo, através da utilização das plataformas da web aberta. Para que, da mesma forma que a ciência da informação adota padrões como bibliometria, cientometria e infometria, para medir a produção, possa recomendar novos padrões relacionados aos fluxos de informação neste cenário. Esta pesquisa procurou realizar o levantamento de questões relacionadas às dimensões da ciência aberta, e a identificação das ações de engajamento digital e colaboração realizadas pelos pesquisadores acadêmicos.
As questões que norteiam a presente pesquisa são: Como os acadêmicos utilizam sites pessoais e/ou institucionais para divulgar suas pesquisas? É possível identificar o uso de plataformas da web aberta pelos acadêmicos em consonância com os requisitos preconizados pelo movimento da ciência aberta? Existe um modelo de governança para arquivamento e recuperação de conteúdos científicos, com base no uso da web aberta pelos pesquisadores acadêmicos em seus sites pessoais e/ou institucionais que contemple as práticas emergentes de produção científica, incluindo o compartilhamento da informação e colaboração?
Assim, o objetivo geral desta pesquisa exploratória é identificar e refletir sobre as ações dos pesquisadores acadêmicos na web aberta para divulgação da pesquisa científica e produção de novos conhecimentos, em seus sites pessoais hospedados na instituição acadêmica ou não.
E os objetivos específicos são:
1. Refletir, com base na literatura, sobre o cenário da Ciência da Informação em relação à questão da ciência aberta e de que forma os pesquisadores acadêmicos vêm manifestando preocupação com as novas iniciativas para o compartilhamento da informação e a colaboração na web aberta.
2. Evidenciar o nível de engajamento dos pesquisadores em relação a práticas emergentes de disseminação, compartilhamento, produção e curadoria da informação acadêmica, utilizando plataformas da web aberta, segundo modelo desenvolvido com base na literatura.
3. Identificar as ações de colaboração pelos pesquisadores acadêmicos utilizando plataformas da web aberta.
Para atingir aos objetivos, a pesquisa consistiu inicialmente de revisão da literatura sobre os temas que embasam o estudo, como ciência aberta, web aberta, colaboração, entre outros. E, em seguida, foi realizada pesquisa empírica, em que foram analisados sites de pesquisadores de diferentes instituições de ensino e utilizados dois instrumentos de coleta de dados distintos.
O primeiro foi um formulário com um conjunto de critérios para categorizar os sites de pesquisadores acadêmicos selecionados em diversos departamentos de pesquisa em universidades estrangeiras e nacionais, de modo a classificar em que nível de engajamento se encontram.
O segundo foi um questionário enviado aos pesquisadores identificados, de modo a conhecer sua opinião a respeito das ações de colaboração.
Esta dissertação está organizada da seguinte forma: além desta Introdução, na seção 2 – O cenário digital e a ciência aberta, são apresentados os fundamentos teóricos e os principais conceitos envolvidos no movimento da ciência aberta. Na seção 3 – A produção do conhecimento na academia, buscou-se compreender o ethos e a forma de fazer ciência na academia, o ciclo de vida da pesquisa e as distintas tradições de pesquisa acadêmica. Na seção 4 – O engajamento acadêmico na web aberta, procurou-se conceituar a questão do compartilhamento de informações e da colaboração, traçando um paralelo com a Gestão do Conhecimento. Além de apresentar a pirâmide do engajamento, um instrumento utilizado para analisar ações de engajamento em ambientes digitais. Na seção 5 – Metodologia, são descritas as três fases da pesquisa; a primeira fase com a revisão de literatura utilizada para fundamentar a construção dos instrumentos para coleta e análise dos dados da pesquisa; a segunda fase com a pesquisa empírica, em que foi construído um modelo de maturidade para análise das ações de engajamento digital dos pesquisadores acadêmicos; a terceira fase, com a construção de um questionário enviado aos pesquisadores para análise das ações de colaboração em pesquisa. Na seção 6 – Análise dos dados, foram analisados os dados coletados em seções divididas em análise das ações de engajamento a partir dos sites pessoais dos pesquisadores, e das ações de colaboração, a partir do questionário respondido pelos pesquisadores dos sites selecionados. Na seção 7 – Conclusão, se buscou estabelecer uma relação entre os a revisão de literatura e a pesquisa exploratória, apontando possíveis caminhos para novas pesquisas no campo da Ciência da Informação.