
por Ronald E. Day
Uma história crítica da tradição moderna da documentação, acompanhando a representação de indivíduos e grupos na forma de documentos, informação e dados.
Neste livro, Ronald Day oferece uma história crítica da tradição moderna da documentação. Focando no índice documental (entendido como um modo de posicionamento social) e inspirando-se na obra da documentalista francesa Suzanne Briet, Day explora o entendimento e os usos da indexicalidade. Ele examina a transição dos índices como estruturas profissionais explícitas que mediavam usuários e documentos para dispositivos infraestruturais implícitos utilizados em atos cotidianos de informação e comunicação. Ao fazer isso, ele também traça três eras epistêmicas na representação de indivíduos e grupos: primeiro na forma de documentos, depois como informação e, por fim, como dados.
Day investiga cinco casos da tradição moderna da documentação. Ele analisa o instrumentalismo sociotécnico de Paul Otlet, “o pai da documentação europeia” (contrastando-o com a perspectiva hermenêutica de Martin Heidegger); a transição da documentação para a ciência da informação e a consequente transformação de pessoas e textos em usuários e informação; o uso de algoritmos nas mídias sociais, aprofundando a subsunção de pessoas e textos; as tentativas de construir robôs androides — para incorporar a agência humana dentro de um sistema de informação que se assemelha a um ser humano; e os dados massivos (big data) sociais como técnica de governança neoliberal que emprega indexação e análises com fins de vigilância. Por fim, Day considera o status da crítica e do julgamento em uma época em que as pessoas e seus direitos de julgamento são cada vez mais mediados, deslocados e substituídos por técnicas documentais modernas.
📘 Capítulo 1: Introduction
Este capítulo introduz a proposta crítica do livro: entender a documentação, a informação e os dados como construções culturais que moldam o sujeito moderno. Ronald E. Day argumenta que o conceito de “informação” precisa ser historicizado, pois seu uso massivo na sociedade contemporânea mascara relações de poder e modos de controle. Ele revisita sua obra anterior (The Modern Invention of Information) para situar esta investigação no contexto atual de governamentalidade algorítmica, e propõe examinar o papel dos sistemas documentais na constituição do sujeito, da subjetividade e das relações sociais contemporâneas.
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Ponto central: A informação é um fenômeno histórico-cultural, e não uma entidade neutra — ela é mediada por sistemas de documentação que afetam diretamente a construção do sujeito.
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Exemplo marcante: A citação de Suzanne Briet (“Homo documentator”) exemplifica a transição das ferramentas de trabalho intelectual para estruturas que moldam a própria identidade humana na modernidade.
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Conexão com ExtraLibris: Esta introdução legitima uma curadoria figital que reconhece os sistemas documentais como produtores de subjetividade. A ExtraLibris pode assumir esse papel crítico ao tratar estantes e coleções como construções culturais que moldam o pensamento, e não apenas como mecanismos de acesso a informações.
📘 Capítulo 2: Paul Otlet: Friends and Books for Information Needs
Neste capítulo, Ronald E. Day parte das ideias de Paul Otlet para refletir sobre como o conceito de “informação” substituiu o de “conhecimento” na modernidade. Otlet aparece como uma figura chave na transição para um mundo em que os documentos são tratados como objetos de indexação técnica e instrumental, mais do que como portadores de sentido humano. O autor contrapõe essa visão à de Heidegger, explorando duas tradições concorrentes: uma técnica e funcional (representada por Otlet) e outra existencial e hermenêutica (representada por Heidegger). O capítulo mostra como a tradição documental, ao transformar amigos em “usuários” e livros em “recursos”, altera a própria noção de relação humana com o saber.
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Ponto central: A transformação da relação com os textos e com os outros — de vínculos humanistas para uma lógica instrumental de necessidades informacionais.
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Exemplo marcante: A frase “friends become users and books become information” sintetiza a mudança paradigmática em que sujeitos e objetos são recodificados como funções dentro de sistemas documentais.
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Conexão com ExtraLibris: Esta crítica fortalece a proposta da ExtraLibris de rejeitar a lógica do “usuário” e adotar o termo “participante” como forma de resistência simbólica à tecnificação das relações culturais. As estantes e painéis devem fomentar vínculos, não apenas resolver demandas.
📘 Capítulo 3: Representing Documents and Persons in Information Systems
Este capítulo discute como sistemas de indexação e análise de citações científicas moldam não apenas o conhecimento, mas também a construção da identidade pessoal e acadêmica. Day mostra que, conforme a documentação se transforma em redes sociotécnicas, a distância entre quem busca e quem é indexado diminui. O valor passa a ser atribuído por métricas relacionais (como citações), e a subjetividade torna-se parte das estruturas documentais. A representação se torna uma forma de produção da pessoa dentro de um sistema documental.
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Ponto central: Sistemas de informação não apenas organizam documentos, mas também constroem identidades pessoais e sociais.
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Exemplo marcante: A transição da indexação “pré-coordenada” para a “pós-coordenada” simboliza a mudança da estrutura rígida para a fluidez relacional dos sistemas sociotécnicos contemporâneos.
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Conexão com ExtraLibris: Reforça a proposta de ver cada participante como um sujeito documentado em suas relações com os livros e estantes — não apenas consumidores, mas co-produtores de valor cultural.
📘 Capítulo 4: Social Computing and the Indexing of the Whole
Day analisa como a computação social transforma pessoas e textos em entidades indexadas através de algoritmos. A identidade digital torna-se produto de interações com sistemas de busca, redes sociais e dados vinculados. Os algoritmos não apenas refletem desejos, mas os moldam, reforçando normas e valores. A indexação deixa de ser um processo externo ao sujeito e passa a constituí-lo de dentro, com base em padrões de comportamento, gostos e vínculos sociais.
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Ponto central: A indexação algorítmica em redes sociais cria identidades documentais baseadas em relações, padrões e dados — não em essência ou autoria.
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Exemplo marcante: O Google PageRank, ao indexar documentos com base em relevância social (links), exemplifica como a autoridade textual se desloca para o social e algorítmico.
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Conexão com ExtraLibris: Inspira o desenvolvimento de estantes digitais que considerem não só categorias fixas, mas redes de significados em transformação, com base nas interações e curadorias dos próprios participantes.
📘 Capítulo 5: The Document as the Subject: Androids
Aqui, o autor propõe que os documentos deixaram de ser objetos e passaram a ser sujeitos — especialmente no contexto das tecnologias como androides e interfaces interativas. Ele discute como a máquina deixa de ser uma ferramenta externa e se torna um componente da própria constituição humana. A assimilação da técnica por parte do humano é também a assimilação do humano pela técnica. O documento (como o androide) é agora um ser híbrido, que espelha e reorganiza a subjetividade.
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Ponto central: O sujeito moderno é cada vez mais uma construção documental e técnica — uma simbiose entre humano e máquina.
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Exemplo marcante: A metáfora do androide como “companheiro” e não apenas “servidor” simboliza o desejo de produzir documentos que sejam sujeitos, não apenas espelhos.
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Conexão com ExtraLibris: Apoia a ideia de uma curadoria em que os próprios acervos figitais ganham agência e interagem com os participantes, formando uma ecologia mútua de subjetividade e mediação cultural.
📘 Capítulo 6: Governing Expression: Social Big Data and Neoliberalism
Neste capítulo, Day faz uma crítica contundente à forma como o neoliberalismo transforma a expressão humana em valor quantificável. Ele argumenta que a governança algorítmica torna a “expressão” um dado mensurável, útil e negociável, reduzindo a complexidade humana à lógica da mercadoria. A psicologia e a subjetividade são recodificadas como perfis, gostos e índices de produtividade ou relevância. Isso constitui uma nova forma de subjetivação orientada ao mercado.
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Ponto central: O neoliberalismo transforma a expressão pessoal em valor econômico, convertendo o sujeito em dado mensurável e governável.
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Exemplo marcante: O uso do termo “drive” (impulso) da psicanálise para ilustrar como desejos e motivações humanas são agora instrumentalizados como insumos para algoritmos de perfilamento e monetização.
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Conexão com ExtraLibris: Convida à resistência contra essa lógica de quantificação, promovendo práticas de curadoria figital que resgatem a expressão, o sentido e o direito ao enigma — ao invés da mera utilidade e mensuração.
📘 Capítulo 7: Conclusion: The Modern Documentary Tradition and the Site and Time of Critique
O encerramento do livro é um apelo ao retorno da crítica como prática necessária, especialmente dentro do universo técnico e informacional. Day argumenta que a crítica foi sendo substituída por eficiência técnica e gestão de dados, mesmo nas humanidades. A tradição documental moderna (de Otlet a hoje) precisa ser reavaliada não apenas por seu poder organizador, mas por seu papel na formação dos sujeitos e na supressão de alternativas. A crítica é apresentada como condição para que a informação não seja um fim, mas um meio de reflexão e transformação.
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Ponto central: A crítica deve ser recuperada como prática fundamental diante da dominação das estruturas documentais e informacionais.
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Exemplo marcante: A referência à universidade moderna como espaço onde a técnica substituiu o pensamento crítico reforça a urgência de um novo projeto intelectual.
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Conexão com ExtraLibris: Este é o chamado mais direto para que a plataforma se afirme como espaço de crítica cultural, de leitura reflexiva e de reconstrução de repertórios, contra o reducionismo técnico das métricas e dos algoritmos.