
por Wayne de Fremery
Uma defesa abrangente da bibliografia como infraestrutura na ciência da informação.
Cats, Carpenters, and Accountants argumenta que a bibliografia desempenha um papel fundamental dentro da ciência da informação como infraestrutura e, como toda infraestrutura, precisa e merece atenção. A provocação cuidadosa de Wayne de Fremery posiciona a bibliografia como um meio para servir aos muitos fins perseguidos pelos cientistas da informação. Ele explica que práticas bibliográficas, como a enumeração e a descrição, estão no centro das práticas de conhecimento e dos empreendimentos culturais — mas esse tipo de infraestrutura é difícil de enxergar. Neste livro, ele as revela e mostra como formulam informação e significado, inteligência artificial e conhecimento humano.
Apoiando-se em pesquisas de áreas tão diversas quanto ciência de dados, aprendizado de máquina, poesia coreana e história da bibliografia, de Fremery defende o entendimento da bibliografia como um modo generativo de prestar contas sobre o que foi recebido como dado — algo que ele chama de “contabilidade de marcenaria” (carpentry-accounting). Fazendo referência a um debate bem conhecido na tradição bibliográfica anglo-americana — que envolve um gato voluntarioso —, ele sugere que a bibliografia e os bibliografadores são figuras intencionalmente marginais que, paradoxalmente, realizam um trabalho essencial em apoio aos diversos fins disciplinares que, de maneira mais ou menos coesa, configuram a ciência da informação como campo. Quando prestamos atenção a esse trabalho marginal, mas essencial, de prestar contas sobre aquilo que a humanidade moldou como conhecimento registrado, torna-se mais fácil considerar as maneiras pelas quais esses relatos humanos podem nos servir — e, às vezes, nos ferir. Relevante para estudiosos e estudantes das ciências às humanidades, Cats, Carpenters, and Accountants é um argumento altamente original a favor da bibliografia como uma força marginal, mas fundamentalmente poderosa, na configuração da ciência da informação enquanto campo — e das maneiras como conhecemos.
📘 Introduction
A introdução propõe que a bibliografia seja vista como infraestrutura essencial, apesar de invisibilizada, na ciência da informação. Ela articula os temas centrais do livro: enumeração, descrição, reprodução e análise crítica.
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Ponto central: A bibliografia estrutura como representamos o conhecimento e o que aceitamos como “dado”.
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Exemplo marcante: A comparação entre Gödel e Yi Sang para mostrar como práticas bibliográficas articulam lógica e cultura.
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Conexão com ExtraLibris: Justifica a curadoria figital como prática de leitura crítica e reconstrução de sentido a partir da materialidade documental.
📘 Capítulo 1: A List of Keywords
Este capítulo organiza uma série de termos-chave que formam o vocabulário conceitual da obra. Inspirado em Raymond Williams, propõe uma “palavrologia” bibliográfica.
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Ponto central: Palavras como “cópia”, “descrição” e “dados” carregam histórias conceituais que moldam a bibliografia como forma de pensar.
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Exemplo marcante: O entrelaçamento entre “enumerar”, “analisar” e “criticar” como modos fundacionais da bibliografia.
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Conexão com ExtraLibris: Fundamenta o uso de palavras e categorias nas estantes figitais como construção crítica de sentido, não apenas metadados técnicos.
📘 Capítulo 2: Lists as Infrastructure: An Infrastructural Inversion
Aqui, o autor mostra como listas funcionam como infraestrutura invisível, sustentando toda a prática informacional.
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Ponto central: Listas são práticas bibliográficas fundamentais, mas sua onipresença as torna difíceis de perceber.
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Exemplo marcante: A “inversão infraestrutural” proposta por Star e Bowker — tornar visível o que sustenta silenciosamente a organização do saber.
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Conexão com ExtraLibris: Valoriza o design das estantes figitais como organização estratégica da memória, e não apenas exibição de conteúdos.
📘 Capítulo 3: The Powers and Pleasures of Lists and the Coordination of Context
O capítulo explora as dimensões simbólicas, afetivas e organizacionais das listas. Mostra como elas criam contexto, ordenam o mundo e oferecem prazer intelectual.
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Ponto central: Listas coordenam contextos — não apenas organizam, mas produzem sentido e hierarquias.
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Exemplo marcante: A citação do “encantamento” da lista chinesa em Borges e Foucault como exemplo de espanto epistêmico.
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Conexão com ExtraLibris: Fortalece a ideia de curadorias como atos culturais e subjetivos de ordenação, mais do que sistemas neutros de busca.
📘 Capítulo 4: What Unfamiliar Lists Afford
Este capítulo investiga formas incomuns de enumeração, como listas criadas por máquinas, animais ou culturas não ocidentais. O autor utiliza essas “listas estranhas” para desafiar a ideia de que a estrutura de lista é neutra ou universal, propondo que formas alternativas de listar expandem as possibilidades de representação e percepção.
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Ponto central: Listas não são apenas técnicas neutras — são construções culturais e cognitivas que refletem modos específicos de ver o mundo.
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Exemplo marcante: A análise de um robô que ordena objetos por forma e cor revela como sistemas não humanos também produzem ordem, mas com lógica distinta.
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Conexão com ExtraLibris: Convida à criação de formas de curadoria que não repliquem modelos ocidentais hegemônicos, valorizando modos diversos de organizar e relacionar saberes.
📘 Capítulo 5: From Enumeration to Description: Knowledge Graphs and Graphing Knowledge
De Fremery explora a transição da simples listagem de dados para sua articulação em descrições complexas, como os grafos de conhecimento. Ele demonstra como essas estruturas visam relacionar entidades e construir sentidos, sendo formas bibliográficas contemporâneas de descrição.
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Ponto central: A descrição é um passo além da enumeração — ela conecta, qualifica e atribui significado às entidades.
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Exemplo marcante: O uso de grafos para representar o conhecimento mostra como a estrutura das relações importa tanto quanto os próprios dados.
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Conexão com ExtraLibris: Fundamenta a ideia de estantes relacionais, onde livros e coleções se organizam por redes de sentido, não apenas por categorias fixas.
📘 Capítulo 6: Describing the Archimedes Palimpsest
Neste capítulo, o autor analisa como um único objeto — o Palimpsesto de Arquimedes — foi descrito de formas diferentes por comunidades distintas: conservadores, engenheiros, historiadores. A descrição, portanto, não é neutra; ela revela interesses, contextos e práticas culturais.
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Ponto central: A descrição é uma prática situada, que traduz objetos em termos compreensíveis para diferentes comunidades.
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Exemplo marcante: A comparação entre descrições técnicas e culturais do palimpsesto mostra como cada uma revela e esconde aspectos diferentes.
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Conexão com ExtraLibris: Sustenta uma curadoria plural, onde um mesmo acervo pode ser reconfigurado a partir de diferentes olhares — técnicos, históricos, artísticos.
📘 Capítulo 7: A Descriptive Account of Biological Metaphors in Bibliography
O autor analisa como metáforas biológicas (como árvores genealógicas e DNA textual) moldaram a bibliografia anglo-europeia, naturalizando classificações e ocultando suas escolhas ideológicas. Ele propõe que essas metáforas sejam criticadas e repensadas.
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Ponto central: Metáforas biológicas na bibliografia reforçam estruturas de poder ao apresentarem-se como naturais.
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Exemplo marcante: A crítica à metáfora do “livro da natureza”, que ignora os materiais sacrificados para sua existência (como os pergaminhos).
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Conexão com ExtraLibris: Apoia a proposta de tratar a curadoria como prática consciente e crítica, e não como espelho “natural” da realidade.
📘 Capítulo 8: New Bibliographical Description
Este capítulo aborda o movimento da “Nova Bibliografia” e sua obsessão por métodos indutivos e objetivos, focados na descrição de variações físicas dos livros. O autor mostra como essa prática, mesmo se pretendendo neutra, oculta o papel do julgamento humano.
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Ponto central: A tentativa de tornar a descrição científica ignora sua dimensão interpretativa e histórica.
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Exemplo marcante: A crítica à exclusão de autores e editores das descrições bibliográficas, em nome da pureza material.
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Conexão com ExtraLibris: Incentiva uma descrição figital que valorize o contexto, a autoria e a intencionalidade cultural, e não apenas aspectos técnicos do objeto.
📘 Capítulo 9: Bibliographical Description, “Printers of the Mind,” and the Sociology of Texts
De Fremery apresenta o debate entre os defensores da Nova Bibliografia e os críticos como D. F. McKenzie, que propôs a “sociologia dos textos”. O capítulo argumenta que a descrição bibliográfica deve ir além do objeto físico e incluir os contextos sociais, culturais e institucionais de produção e circulação textual.
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Ponto central: A descrição deve considerar os múltiplos agentes envolvidos na criação dos textos — impressoras, leitores, editores, contextos.
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Exemplo marcante: A abordagem de McKenzie que vê evidência textual como social, e não apenas material, transformando o texto em um objeto relacional.
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Conexão com ExtraLibris: Fundamenta a visão de curadoria como processo sociotécnico e cultural, onde livros são ativados por comunidades, tempos e práticas de leitura.
📘 Capítulo 10: Models, Modeling, and the Socialization of Data
Este capítulo propõe que os modelos de dados (ontologias, taxonomias, grafos) são formas de descrição bibliográfica. Eles socializam a informação, pois organizam dados de maneira que se tornem inteligíveis e úteis. A modelagem é vista como prática de mediação entre sujeitos e dados.
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Ponto central: Modelar é descrever com intenção — todo modelo impõe uma visão de mundo.
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Exemplo marcante: A comparação entre uma ontologia editorial e um modelo de aprendizado de máquina, ambos como formas de mediação entre o conhecimento e seus usuários.
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Conexão com ExtraLibris: Estimula a criação de modelos curatoriais flexíveis, que respeitem as dinâmicas sociais e cognitivas da leitura em ambientes figitais.
📘 Capítulo 11: Data Science and Machine Learning as New Bibliographical Description
De Fremery propõe que a ciência de dados e o aprendizado de máquina são formas modernas de descrição bibliográfica. Ambos trabalham com inferências a partir de padrões e evidências, como a bibliografia sempre fez. A diferença é que agora essa descrição se tornou automatizada e massiva.
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Ponto central: A descrição bibliográfica está no coração da inteligência artificial — só que agora operando por meio de algoritmos.
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Exemplo marcante: O paralelo entre a inferência estatística de sistemas de machine learning e o julgamento indutivo dos bibliografadores.
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Conexão com ExtraLibris: Reforça o papel da curadoria figital como mediação entre sistemas automatizados e leitura crítica, promovendo o engajamento humano diante da IA.
📘 Capítulo 12: Bibliography and the Sociology of Data
Este capítulo conecta a teoria bibliográfica à crítica contemporânea da ciência de dados. De Fremery mostra que os problemas da descrição excessivamente objetiva e descontextualizada, já criticados por McKenzie, se repetem nos sistemas algorítmicos atuais.
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Ponto central: A crítica bibliográfica pode iluminar os limites éticos e epistemológicos da ciência de dados.
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Exemplo marcante: A semelhança entre as falsas neutralidades da Nova Bibliografia e os vieses ocultos nos algoritmos atuais.
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Conexão com ExtraLibris: Propõe que a curadoria figital se posicione como prática crítica da documentação contemporânea, capaz de revelar camadas ocultas de poder, exclusão e representação.
📘 Coda: Our “Age of Algorithms”
A coda funciona como uma lista reflexiva e provocadora, que sintetiza os principais temas do livro. Em vez de um encerramento clássico, o autor propõe uma série de perguntas e afirmações abertas sobre os modos como algoritmos, dados e documentos moldam o que conhecemos como mundo.
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Ponto central: Vivemos uma era em que os algoritmos descrevem o mundo — mas também decidem, ordenam e julgam.
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Exemplo marcante: A referência a “formas de documentação que escrevem o mundo em tempo real” — como os algoritmos de redes sociais ou sistemas de recomendação.
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Conexão com ExtraLibris: Reafirma a missão de construir estantes figitais como territórios de leitura crítica, onde os participantes podem reescrever o mundo a partir da documentação — e não apenas ser descritos por ela.