
por Ronald E. Day
Um relato histórico-conceitual dos diferentes gêneros, tecnologias, modos de inscrição e potências expressivas inatas pelos quais algo se torna evidente.
Neste livro, Ronald Day oferece um relato histórico-conceitual de como algo se torna evidente. Cruzando a ontologia filosófica com a ontologia documental, Day investiga os diferentes gêneros, tecnologias, modos de inscrição e potências expressivas inatas pelos quais algo vem à presença e se torna evidente. Ele chama essa filosofia da evidência de documentaridade, e é por meio dessa lente teórica que examina a evidência documental (e a documentação) dentro da tradição da filosofia ocidental, amplamente compreendida como representacional em sua epistemologia, ontologia, estética e política.
Diponível em: https://documentarity.mitpress.mit.edu/
📘 Introduction
A introdução estabelece o conceito de documentaridade como uma filosofia da evidência, distinta da ideia tradicional de “informação”. Em vez de perguntar “o que é a informação?”, Day pergunta: como algo se torna evidência e é assumido como tal?. O livro traça a trajetória histórica e filosófica dos modos de inscrição que permitem que algo se torne evidente — das categorias antigas à literatura moderna, passando pelas redes sociais e o aprendizado de máquina. Documentaridade é apresentada como uma tradição ocidental de representação que molda não só o conhecimento, mas também a ontologia, a estética e a política. A proposta central é tratar a documentação como uma tecnologia do julgamento, enraizada na metafísica ocidental, com implicações práticas, políticas e estéticas.
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Ponto central: Documentaridade é a base metafísica da documentação — trata-se de tecnologias de inscrição que constituem o que se entende como realidade e evidência.
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Exemplo marcante: A figura do antílope de Suzanne Briet é usada como ponto de partida para discutir como seres singulares são transformados em “evidência” por meio da documentação institucional.
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Conexão com ExtraLibris: Convida a tratar estantes, painéis e práticas curatoriais como formas críticas de inscrição e julgamento. Cada exposição figital pode ser compreendida como um dispositivo ontológico que participa da construção do que é visível, legível e significativo culturalmente.
📘 Capítulo 1: The Philosophical Perspective
Este capítulo apresenta os fundamentos filosóficos que embasam o conceito de documentaridade, com foco em três autores: Heidegger, Latour e Rom Harré. Day explora como cada um contribui para entender os modos pelos quais entidades se tornam evidentes — seja por presença (Heidegger), por inscrição (Latour), ou por disposições expressivas (Harré). Heidegger critica a metafísica ocidental por reduzir o ser à representação técnica. Latour propõe que a verdade é efeito das redes de inscrição. Harré acrescenta uma ontologia disposicional que permite entender como entidades expressam suas potências singulares. O capítulo constrói a base para uma abordagem crítica da documentação como um ato de fazer-ser.
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Ponto central: A evidência não é neutra — ela é produzida por técnicas, linguagens e instituições que configuram ontologicamente o que é reconhecível como “real”.
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Exemplo marcante: A crítica de Heidegger à ciência moderna como tecnociência mostra como a linguagem se torna uma ferramenta de controle, apagando sua dimensão poética de revelação do ser.
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Conexão com ExtraLibris: Estimula a curadoria figital como prática que não apenas organiza conteúdos, mas atua sobre o ser, revelando ou obscurecendo sentidos. A curadoria torna-se um gesto ontológico e poético, não apenas informacional.
📘 Capítulo 2: Documentarity in the Works of Paul Otlet and Georges Bataille
Day contrapõe as visões de dois autores fundamentais: Paul Otlet, representante da tradição positivista de documentação, e Georges Bataille, cuja filosofia materialista e experiência com a etnografia francesa oferece uma visão oposta da evidência. Otlet propõe uma ontologia documental baseada na abstração, no ordenamento e na totalidade do conhecimento. Bataille, ao contrário, exalta o corpo, o excesso e a materialidade como fontes de verdade. Ambos, entretanto, reproduzem formas metafísicas de documentaridade: Otlet pelo idealismo; Bataille por um sensualismo radical. O capítulo mostra que mesmo a “inversão” da lógica documental pode manter os traços metafísicos da tradição que pretende romper.
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Ponto central: Otlet e Bataille exemplificam duas formas opostas de documentaridade, mas ambas permanecem presas a uma lógica representacional do ser.
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Exemplo marcante: O uso por Bataille de uma foto de cascos de vaca em um matadouro como evidência de civilização — invertendo o gesto ilustrativo de Otlet, mas mantendo a função de “prova”.
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Conexão com ExtraLibris: Reforça a importância de considerar tanto as formas técnicas (classificação, abstração) quanto as experiências sensíveis (afetos, traumas, desejos) nas exposições e curadorias figitais. Estantes também são espaços onde o corpo e o excesso podem inscrever-se como verdade.
📘 Capítulo 3: Figuring Documentarity
Neste capítulo, Day investiga como a documentaridade é figurada — ou seja, como ela se torna visível, reconhecível e manipulável através de formas gráficas e expressivas. A análise passa por diagramas, mapas conceituais, fluxogramas e interfaces visuais que “fazem ver” relações entre entidades. Tais figuras não apenas representam, mas produzem evidência, organizando o mundo de maneira específica. A figuratividade é abordada como prática epistemológica, estética e política. Ela permite que certas realidades sejam reconhecidas, enquanto outras são apagadas.
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Ponto central: Representações gráficas e visuais são dispositivos de produção de evidência — moldam o modo como o mundo se apresenta como inteligível.
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Exemplo marcante: A análise de diagramas técnicos e interfaces de software mostra como “formas” visuais criam não só dados, mas contextos e interpretações possíveis.
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Conexão com ExtraLibris: Apoia o uso de visualizações nas estantes figitais não apenas como elementos funcionais, mas como formas críticas de curadoria. A disposição das capas, os grafos de relações e a estética da navegação se tornam parte da construção do conhecimento.
📘 Capítulo 4: Documentarity and the Modern Genre of “Literature”
Day discute como o conceito moderno de “literatura” foi constituído como um gênero documental, ligado a ideais de autoria, estilo e subjetividade. Ele mostra como a literatura se tornou, ao longo dos séculos XVIII e XIX, um regime de evidência baseado na expressão individual, que ao mesmo tempo marca e regula o sujeito. O capítulo revela que o valor literário é resultado de critérios documentais institucionais, como canonicidade, edição, circulação e crítica. A literatura moderna é apresentada como uma forma de documentaridade que performa a singularidade sob regimes de controle cultural.
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Ponto central: A literatura moderna opera como um regime de documentaridade — ela inscreve e regula a subjetividade sob formas institucionais.
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Exemplo marcante: A análise da transformação do conceito de “estilo” em marcador de identidade autoral ilustra como a subjetividade é fabricada como evidência.
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Conexão com ExtraLibris: Reforça a importância de tratar a literatura como curadoria ativa de subjetividades — não apenas como acervo de textos, mas como campo de disputa simbólica em que se formam e são legitimadas formas de expressão.
📘 Capítulo 5: Displaced Reference for Information: Jokes, Trauma, and Fables
Este capítulo trata da documentaridade indireta, explorando formas discursivas que produzem sentido sem recorrer à referência direta: o humor, o trauma e as fábulas. Day argumenta que essas formas revelam os limites da documentaridade tradicional, pois escapam à verificação e à objetividade. No entanto, são fundamentais para a constituição do sujeito, pois articulam o indizível, o absurdo e o simbólico. O capítulo propõe que o valor informacional e documental dessas formas está na sua capacidade de performar rupturas na lógica da evidência convencional.
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Ponto central: A evidência pode emergir por vias indiretas — a documentaridade também se realiza pelo simbólico, pelo deslocamento e pelo silêncio.
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Exemplo marcante: O uso de piadas como forma de indexar o que é culturalmente tabu ou traumático, e de fábulas como meios de construção de verdades éticas e subjetivas.
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Conexão com ExtraLibris: Convida a incorporar nas estantes figitais narrativas simbólicas, afetivas ou metafóricas — como forma de curadoria que inclui vozes, dores e alegorias que escapam à catalogação tradicional.
📘 Capítulo 6: Rights of Expression
Day analisa as noções modernas de liberdade de expressão como base filosófica e política da documentaridade. Ele mostra que a liberdade de expressão não é apenas um direito individual, mas um campo de disputa documental, no qual a possibilidade de expressão está sempre mediada por sistemas de visibilidade, controle e poder. O capítulo discute a tensão entre expressão e representação, e entre o direito de falar e a capacidade de ser ouvido ou registrado. Expressar-se, nesse sentido, é uma questão de inscrição: estar documentado é também estar incluído no horizonte do que pode ser reconhecido.
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Ponto central: A liberdade de expressão está intimamente ligada à documentaridade — só há expressão efetiva quando há inscrição legível e reconhecível.
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Exemplo marcante: A referência à tradição de “liberdade intelectual” nas bibliotecas como espaço de resistência à censura e à invisibilização.
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Conexão com ExtraLibris: Reafirma a missão de promover estantes figitais como espaços de inscrição plural — onde expressões minoritárias, divergentes ou invisibilizadas possam encontrar forma, registro e reconhecimento.
📘 Capítulo 7: Post-Documentation Technologies
Este capítulo aborda a emergência das tecnologias pós-documentais, como redes sociais, algoritmos, IA e análise de dados, que transformam a documentação de uma prática consciente em uma atividade automatizada e invisível. A documentaridade torna-se infraestrutural: indexações, perfis e dados se acumulam e agem sobre os sujeitos sem mediação direta. Day critica a naturalização desses sistemas e argumenta que é necessário reinscrever a crítica como parte da prática documental contemporânea. As tecnologias pós-documentais não anulam a documentaridade — elas a deslocam e a intensificam em novas formas.
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Ponto central: A documentaridade pós-moderna é automatizada e infraestrutural — opera sem mediação visível, mas com efeitos poderosos sobre a subjetividade.
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Exemplo marcante: A análise das redes sociais como máquinas de inscrição contínua e preditiva do sujeito, em que dados e comportamentos são constantemente indexados sem consentimento explícito.
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Conexão com ExtraLibris: Impulsiona o uso consciente da curadoria como resistência crítica às lógicas algorítmicas — tornando visível o invisível e reinscrevendo a subjetividade fora dos circuitos de vigilância e automatização.
📘 Conclusion
A conclusão retoma os principais temas do livro, propondo a documentaridade como condição crítica da modernidade. Day reafirma que toda representação é uma forma de julgamento ontológico, e que as tecnologias de documentação — da biblioteca ao algoritmo — são dispositivos que configuram aquilo que pode ou não aparecer como verdadeiro, válido ou legítimo. A crítica à documentaridade dominante é, portanto, uma forma de intervir nos modos de ser e de saber. O livro fecha com um chamado à recuperação da crítica, não como prática acadêmica protocolar, mas como ato cultural radical.
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Ponto central: A documentaridade não é apenas técnica — é uma prática de mundo que demanda crítica constante e posicionamento ético.
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Exemplo marcante: A evocação da tradição da liberdade intelectual como resistência ativa às formas dominantes de inscrição e controle.
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Conexão com ExtraLibris: Posiciona a curadoria figital como prática crítica por excelência — capaz de inscrever novos mundos, rearticular o julgamento e renovar os espaços da expressão cultural.