O conceito de abertura (openness) tem grande influência na cultura digital no século XXI. O que fica evidente em movimentos como ciência aberta (open science), acesso aberto (open access), software aberto (open source software), inovação aberta (open innovation), educação aberta (open education), governo aberto (open government) e liderança aberta (open leadership).
No entanto, é importante registrar que o termo “abertura” não é uma exclusividade da era digital, e historicamente foi utilizado para identificar outras questões sociais e econômicas que vão além do acesso à tecnologia e informação.
Russel (2014), em seu livro sobre padrões abertos na era digital, traça este panorama histórico, apresentando o uso do termo Open Door como expressão econômica dos diplomatas americanos, sobre a abertura comercial nas relações internacionais no séc. XXI em oposição ao imperialismo europeu. Além de haver sido usado por filósofos como Bergson (1932), com o conceito de Open Morality e por Popper (1945) com o Open Society, com o uso do termo para representar questões sociais e políticas. E evidenciou que o uso do termo como preocupação em relação a padrões abertos para a tecnologia e o acesso à informação não é recente. Russel (2014 p. 14) citando Mumford (1964), ressaltou a preocupação com que a nossa era rendeu-se aos controladores, manipuladores e condicionadores de uma autoridade técnica, definindo padrões fechados para o acesso à informação e à tecnologia em benefício próprio:
Os defensores da abertura, no entanto, não se entregaram tão facilmente. Em vez disso, eles sentem o alvorecer de uma transformação radical, quase utópica em que hierarquias de poder são achatadas, atividades secretas são feitas de forma transparente, indivíduos são capacitados, e o próprio conhecimento é democratizado. Eles acolhem a inovação, prosperam com a diversidade e mudança, insistem na santidade da autonomia e liberdade, e tem desdém sem reservas, das autoridades, restrições e gatekeepers.
O que o conceito de aberto representa para a academia, pode ser melhor compreendido analisando o trabalho de Karl Popper – considerado um dos pensadores mais influentes do séc. XX – e que foi o primeiro filósofo a associar o conceito à produção de novos conhecimentos. Na academia ele é mais reconhecido por seus estudos em epistemologia e ética em ciência, com a sua proposta de falseabilidade como método para a ciência. Suas proposições enfatizam que o conhecimento nunca é absoluto, mas sempre provisório e falível. Em seu livro “A sociedade aberta e seus inimigos” (1974) ele utiliza os mesmos princípios para avaliar as dinâmicas políticas. Segundo o autor, sociedades abertas possuem fundamentos morais baseados em valores humanitários, de igualdade e liberdade política. Sociedades estas que possuem superioridade em relação a sociedades fascistas e opressoras, que são fechadas, pois baseadas em modelos de autoridade e subserviência.
Em diversos artigos e análises sobre o cenário digital e o impacto da tecnologia da informação para o fazer pesquisa e a construção de novos conhecimentos, suas ideias tem sido apontadas como uma das principais influências.
Vámos (2014, p 05) em um artigo sobre o papel do homem na era da informação cita o impacto das ideias de Popper e a era da informação e os sistema de automação:
No entanto, uma sociedade aberta também fornece lições gerais para o nosso sistema de ciência, ou seja, usando controles de feedback autônomos e descentralizados para automação operacional; aplicando componentes de sistemas adaptativos, e auto-justáveis, e modelos de filtro controlado por feedback para aprender as mudanças nas estruturas e parâmetros básicos; e utilizando estratégias de busca ideais para o projeto de supervisão geral do sistema e operação de longo prazo.
Na academia o conceito de abertura (openness) tem sido incorporado ao campo da Ciência da Informação para representar iniciativas de acesso aberto em pesquisa. Mas de acordo com Whyte e Prior (2010) existem seis níveis de abertura para o compartilhamento dos materiais da pesquisa acadêmica conforme descritos a seguir:
1. Gestão privada: compartilhamento dentro de um grupo de pesquisa, onde são organizados os recursos para facilitar o acesso e reutilização para todas as atividades de pesquisa.
2. Compartilhamento colaborativo: compartilhamento entre os membros de um consórcio criado para entregar um projeto ou programa de pesquisa, em que os pesquisadores contratados poderão acessar os dados, ou metadados de uma atividade compartilhada. Por exemplo, em uma intranet, que é utilizada para uma finalidade contratual em comum.
3. Troca entre pares: compartilhamento entre os membros de uma rede de pesquisadores, no entendimento de podem existir condições específicas para reutilização. Por exemplo, utilizando uma plataforma de rede social na web.
4. Governança transparente: compartilhamento a uma parte externa devido a termos de um código imposto por instituições, organismos de financiamento ou governo. Por exemplo, para auditoria da pesquisa, avaliação, análise ética, saúde e inspeção de segurança; ou em que o compartilhamento seja facilitado por um terceiro, como um arquivo com um mandato institucional ou de financiamento.
5. Compartilhamento em comunidade: compartilhamento com acesso reutilização limitado aos membros de uma comunidade de pesquisa ou comunidades, onde os membros são definidos por sua filiação a uma instituição, a rede de pesquisa e/ou associação ou organismo profissional identificados e autenticados. Isso inclui, por exemplo, muitos ambientes virtuais de aprendizagem, com arquivos licenciados para acesso e uso educacional.
6. Distribuição Pública: compartilhamento, onde os recursos são disponibilizados para acesso por qualquer membro do público. Pelo menos alguns dados ou metadados sobre a atividade de pesquisa são tratados para ser entendidos por um público leigo e reutilizados por um comunidade de investigação designada, e com poucas restrições – como um período de acesso limitado.
O Quadro 1, a seguir, ilustra esta ideia de Whyte e Pryor (2010):
Quadro 1 Seis níveis de abertura (openness) a publicações científicas
1 Gestão privada |
2 Compartilhamento Colaborativo |
3 Troca entre pares |
4 Governança transparente |
5 Compartilhamento na comunidade |
6 Distribuição pública |
Acesso e utilização dentro do projeto de única organização. Custódia controlada Definido para o pesquisador Acesso restrito |
O acesso e utilização dentro do consórcio Vários responsáveis Definido para o pesquisador Acesso restrito |
O acesso e utilização por familiaridade Definido por reputação, a confiança Informalmente operado, de acordo com as normas por exemplo reciprocidade |
Acessível pela fiscalização Verificação do processo por terceiros Definido por código voluntário ou legislação Procedimentos operacionais padronizados Inspeção aberta |
O acesso e utilização pela comunidade Definido por adesão, ou registo voluntário Podem-se aplicar licenças ou controles de acesso |
Acesso de uso público Poderão aplicar-se prazos de acesso e/ou embargos |
Fonte: Whyte & Pryor (2010), traduzido e adaptado pelo autor
O conceito de “aberto” também é utilizado para definir a web aberta que pode ser entendida como a publicação de conteúdos na web em padrões abertos, tal como a utilização de software de padrão aberto, que permita a implementação e customização livres, de acordo com necessidades específicas.
O que é distinto, por exemplo, de publicar conteúdos acadêmicos com acesso aberto, porém utilizando plataformas que não sejam necessariamente em código aberto, tal como as plataformas de mídias sociais, Facebook, Twitter, e até outras direcionadas para a comunidade acadêmica como o academia.edu.
Estes conceitos de open e de web aberta são norteadores para a presente pesquisa, pois são a base tanto para o movimento e as correntes da ciência aberta, quando para a facilidade na implementação de softwares e definição de modelos que permitam o compartilhamento e colaboração por acadêmicos na web, com base em seus interesses.